Alexandre Porto
NICTHEROY: PONTA DA ARMAÇÃO



Por Manoel Benício, março de 1900

A Armação é um dos primeiros edifícios que se constituiu nas terras, hoje por nós habitadas, nos tempos da conquista e coloniais. Conta seguramente quatrocentos anos de idade; talvez, de seis gerações, bem que o dia e o ano de sua fundação a história compulsada não possa precisar.

Entretanto uma provisão de 18 de Setembro de 1581, citada por Duarte Nunes, na "Memória da Fundação da Cidade do Rio de Janeiro", faz referência a um contrato para pesca de baleias, dentro da nossa baía. Naquela época, a exploração da pesca graúda exigia contrato com o governo, ao qual pagariam os contratantes pingues impostos. Parece, entretanto, que só mais tarde fundou-se na encosta do sul do morro, a Armação apropriada para o fabrico de óleo de baleia.

O que é certo é que já em 1729 havia ali um pequeno oratório, nos fundos do estabelecimento, em benefício dos operários. O Dr. Fausto de Souza em sua preciosa obra sobre a "História e Discrição da Bahia do Rio de Janeiro" diz que o estabelecimento foi fundado em fins do século XVI, sendo o seu primeiro contratador Braz de Pina. A pesca das baleias, continua ele, era então um ramo muito rendoso: em 1765 quando o número delas diminuiu, pela ativa perseguição, foi arrematado o contrato por 12 anos a razão de 40 mil cruzados anuais pelas três armações de Cabo Frio, Rio de Janeiro e Ilha Grande.

O celebre Cook, quando aqui esteve em 1768, ainda fez funcionar a de São Domingos, colocada na velha ponte fronteira ao largo do mesmo nome.

Foi o mesmo Braz de Pina ou seu sucessor que construiu a primeira Capela dedicada a São Ignacio da Armação, capela que derruiu tempos depois.

Administrando o estabelecimento José Joaquim do Cabo e José Moreos Vieira edificaram, tempos depois, no mesmo sítio da primitiva, outra ermida sobre a mesma invocação. Diz Pizarro que esta segunda capela data depois do mês de Janeiro de 1794, enquanto que a primeira já existia em 1736 e fora visitada pelo doutor Henrique Moreira de Carvalho em 1742. Deve ter sido estimulado pelo bispo D. Antonio de Guadalupe que Braz de Pina iniciou os trabalhos da primitiva capela, porquanto aquele prelado, visitando a Armação, providenciou no sentido de beneficiar a cristandade dos operários.

Por este tempo os canoeiros atravessavam da rua da Praia para São Lourenço embarcados, singrando o canal da rua de Santa Clara, quando a maré estava forte. O alvará de 1798 aboliu o privilégio da pesca das baleias, permitindo a liberdade desta indústria, mas já então eram caras as baleias, em nossas baías, e um dos armazéns foi transformado em oficina de cordoaria.

E de tal sorte tem escasseado que depois de 1808, com o aumento da navegação, a penúltima baleia apareceu em 1840 (1) e a última com a denominação de tintureira em 1888.

A igreja fundada por José Castro e José Moraes teve a benção em 23 de Junho de 1796, um ano depois, justamente da provisão que a mandara entrar em uso. Media 65 palmos desde a porta até o arco do cruzeiro, e 30 palmos de largura: de altura até a cimalha 40 e até o forro 52 palmos.

A capela-mor tinha de comprimento 30 palmos e 20 de largura: altura até a cimalha, 30 e 28 até ao forro. A sacristia 32 de comprido por 18 de largura e 16 de altura. Era uma obra sólida com paredes de pedra e cal e pedras lavradas por canteiros. Diz o monsenhor Aureliano, no seu livro do Tombo da freguesia, que não sabe por que tinha ela a invocação atual de N. S. da Conceição e não da sua origem, Santo Ignacio.

Escrevia isto o ilustre prelado em 1884 e oito anos depois era o sólido templo profanado pelo saque e pelas bombas consequentes da Revolta da Armada e finalmente pelo incêndio proposital a título de medida estratégica, lançado sobre os estabelecimentos de toda a Armação. Em 1816, na ponta de Oeste desta península (2) no estabelecimento que ainda ali jaz, esteve aquartelado o bando dos Voluntários Reais do Príncipe e posteriormente outros corpos do exército e Voluntários da Pátria, assim como prisioneiros paraguaios.

Esteve aí broqueando em 1821 o general Avilez, permitindo-lhe Pedro I que, daí mesmo, embarcassem ele e as tropas portuguesas revoltadas para Portugal. Por decreto de 24 de Outubro de 1835 o governo geral declarou que ficavam pertencendo provisoriamente à província os armazéns da Armação que lhe foram pedidos por esta. A cadeia provincial foi então ali localizada, e diversos valongos de escravos e contrabandos estabeleceram-se em derredor. Os escravos assim como os libanhos (guilhetes) foram aplicados no melhoramento do edifício, cais e imediações.

Ainda existe na praça General Cabrita, junto à antiga pedreira Merlim, um velho edifício que foi depósito de contrabando da África até 1830 e tantos.

Este prédio passou a ser ocupado por um americano que deu-se à cultura de cravos de todas as cores ao que comerciava proveitosamente.

Parte dos terrenos em derredor da Armação pertencia até 1827 a Lourenço Lecombre que pedia licença à Câmara Municipal de então para abrir o caminho que conduzia à sua herdade, e para arrebentar a pedreira a fim de se utilizar das pedras e alargar o trilho público. Mas tarde passaram estes terrenos à família Xavier Baptista.

O capitão de mar e guerra deste nome foi por longos anos diretor das oficinas e laboratório pirotécnico e fábrica de armas de marinha estabelecido na encosta do Sul da península. Foi instalada mais tarde uma oficina de torpedeiras, tudo isto depois da guerra ou nas proximidades da guerra com Paraguai, tempo em que voltou a pertencer à Corte os mesmos estabelecimentos, inclusive uma muralha mandada fazer pela Província assim como uma cadeia em que gastou cinco contos de reis.

Já havia então o cais, feito por meio de uma subscrição popular, da qual estavam encarregados pela Câmara o brigadeiro Antonio José Peixoto, Antonio José Gomes do Rio Araújo e Francisco de Paula Monteiro.

Costeando o morro da Armação, diz o Dr. Fausto de Souza encontra-se a Ponta da Areia, onde o laborioso negociante Irineu Evangelista de Souza, depois barão de Mauá, fundou em 1846 o vasto estabelecimento de fundição e construção naval, o qual tendo passado a uma companhia em 1854, teve ocasião, 11 anos depois, de prestar eficaz auxílio à nossa esquadra, durante a guerra do Paraguai, de modo que no curto espaço de um mês, de 18 de Agosto a 19 de Setembro de 1865, lançou ao mar, de seus estaleiros, as canhoeiras Henrique Martins e Greenholgle.

Mais tarde, pelos anos de 1890, foram construídas outras por nova companhia que ainda funcionam. Existia até uma fábrica de vinagre pelas imediações da Casa Grande, velho edifício este que foi depósito de escravos e ao mesmo tempo cemitério dos que morreram de miséria e judiaria. O povoamento da Ponta d'Areia é de recente data e os terrenos arruados foram aos poucos conquistados ao mar e as pedreiras por este banhadas.

No começo deste século, a pedreira de São Diogo, pelo lado do nascente, vinha morrer à beira mar, deixando tênue vereda por onde se transitava.

Os terrenos da atual fábrica de sabão e velas e oficinas da Companhia Frigorífica e Vulcano, são conquistas do esforço humano contra o mar e lagedos. Durante a Revolta, fizeram no alto do morro da pedreira de São Diogo uma planície, reduto para amparo da artilharia que foi lá colocada depois da ter sido tomada uma trincheira nas proximidades pelos revoltosos, no dia 9 de Fevereiro de 1893.

Um pouco abaixo, constrói-se hoje uma igreja com invocação a N. S. da Penha.

(1) Aplicam ao aparecimento da penúltima baleia, que deu a costa na Praia Vermelha, a seguinte anedota: um touco em pé na praia olhava gravemente o monstro inanimado quando alguém o interroga: - "Em que pensa? - "Penso que não foi lá grande milagre Jesus Cristo com quatro peixes e um pão dar de comer a 4 mil pessoas, porque eu com este peixe (a baleia) e o Pão de Açúcar mato a fome de dez mil.

(2) Esta ponte desmoronou-se este ano (1900).


Publicado originalmente em O Fluminense, em 23 de março de 1900
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
Na imagem de capa, pintura 'Ponta da Armação em Niterói' de Henry Chamberlain (1819 - 1820).



Publicado em 23/05/2022









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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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