Alexandre Porto
REMINISCÊNCIAS DE FRÓES: SOB O SIGNO DE UM ASTRO VAGABUNDO



Artigo de Sindulfo Santiago
Revista Guanabara Fluminense, outubro de 1955

A Senhora Corina Fróes da Cruz conta muita coisa da vida de seu irmão Leopoldo. Fala com o olhar vago buscando o passado, vivendo as próprias recordações daquele que não foi apenas irmão, mas um companheiro de infância e o inspirador da sua vida artística.

Ela também foi uma consagrada atriz e só não recebeu maiores triunfos porque o nome aureolado do irmão, segundo lhe disse certa vez Itália Fausta, com quem trabalhou em grandes papéis, lhe teria empanado um pouco de suas glórias nos palcos. Dona Corina brilhou ao lado de Ismênia dos Santos e outras celebridades nacionais e foi a única artista brasileira que figurou na Cia. Portuguesa de Ângela Pinto.

Fróes enviou de Lisboa esta foto onde escreveu esta dedicatória: "A minha querida Corina um beijo saudoso do irmão muito amigo. Leopoldo". 22/8/1906
Sua filha, Sra. Iris Fróes também teve grandes plateias, fazendo os principais papéis em diversas Cias. teatrais, inclusive no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, trabalhando na temporada oficial de 1912. Uma filha desta, Sra. Gioconda Fróes, é artista amadora, havendo atuado em "Comédia", de Lyad de Almeida "Clube Dramático Fluminense", do veterano João Pinto, velho companheiro de Leopoldo Fróes e que é um dos arquivos de recordações do início de sua carreira. E, finalmente, a filhinha de Gioconda, a menina Thais, com os seus 7 anos já fez dois papéis infantis no Clube Dramático. São, assim, 4 gerações de atrizes, todas inspiradas no nome e na lembrança sempre viva do imortal Leopoldo Fróes.

Fróes nasceu no dia 30 de Setembro de 1882, numa casa que ainda hoje existe na rua Saldanha Marinho. Conforme escrevi em reportagem passada, na madrugada em que veio ao mundo, apareceu nos céus de nossa Niterói, um magnífico cometa que teria exercido influência pelo resto de sua vida, pois ele atribuía seu temperamento boêmio ao fato de ter nascido "sob o signo de um astro vagabundo".

Filho do Dr. Luiz Carlos Fróes da Cruz, professor de Direito, e da Sra. Idalina da Conceição Rodrigues Guimarães Fróes da Cruz, Leopoldo viu-se muito cedo órfão de mãe. A influência de sua genitora, não obstante seu desaparecimento prematuro, se fez sentir em toda a vida do artista. Dela talvez, a formação moral e espiritual que Fróes deixava transparecer em todos os seus atos e o seu temperamento sentimental. Nos momentos culminantes da sua glória ele não esquecia sua mãezinha e sua família. Interpretando o papel de Luiz, na "A Querida Vovó", com a magistral Apolônia Pinto fazendo uma encantadora avozinha, Fróes supera em sentimentalismo: "Verá minha adorada avó, como saberei dourar-lhe a luz da alegria os seus cabelos brancos!". Após, ele próprio quando se fez autor escreveu "Mimosa", criando um meigo tipo de avozinha de um neto boêmio e carinhoso que ele próprio interpretou com alma e realidade.

Quando se sentia sozinho escrevia belas cartas a sua irmã Corina, maravilhosas cartas as quais ninguém, vendo-o trabalhar nos palcos com um nome famoso e uma vida boêmia, julgaria que fosse capaz de escrevê-las. Eis uma de suas missivas, escritas de Lisboa, na qual fala da sua infância em Niterói, nos sinos da Igreja de São João onde, anos após, o seu corpo foi exposto à visitação pública, da sua falecida mãe a quem chamava de Nenê, da Consuelo, a boneca de sua irmãzinha e de um mundo de recordações:


Final da comovente carta que escreveu à Dona Corina.


    "Minha querida Corina. Ontem à noite entregaram-me, no teatro, a tua cartinha. Há muito que não tinha letras tuas... eu que fui o companheiro dos teus primeiros anos, perto da nossa Nenê, quando eu, às escondidas, te puxava os cabelos, quando me ameaçavam de porem-me as mãos 'no saco', quando tu me amarrotavas os punhos os meus punhos por cuja alvura, brilho e rigidez eu zelava, com a convicção com que zelavam os antigos guerreiros a imaculada brancura dos véus das donzelas nos castelos dos seus feudais senhores!

    Os meus punhos!... Depois entramos, tu a recitar versos e eu a cantar cançonetas - pelos salões do nosso tempo.

    Yáyá exultava! Era falado o teu sentimento, gabavam a tua memória e riam dos meus disparates. Pouco tempo antes eu anunciara em casa do Dr. Marcelino, no dia do seu casamento e com as mãos abertas no ar que era a primeira vez que calçava luvas. Mais tarde o colégio. Nós sempre juntos... tu tinhas a tua Consuelo, eu tinha o meu velocípede!

    Houve o batizado da Consuelo, o primo Augusto foi o padre. E lá íamos nós pela rua d'El-rei, eu a pensar nos olhos azuis da Eulina, que tinha oito anos como eu, e tu a fazeres contas de cabeça, senhora da tabuada... Íamos para o colégio ao sol alegre das nove da manhã quando cantavam alegres os sinos em São João... e a Ambrosina indagava da saúde da vizinhança. Que maçada o colégio!

    Fróes era impecável em suas caracterizações. Ei-lo como principal personagem de "Sol do Sertão".
    Um dia Nenê morreu! Chovia, Chovia muito... Eu era homenzinho fui com papai ao cemitério, chovia sempre... Ela lá ficou... Tão linda... Foi o enterro dos nossos carinhos... Fui para o Ginásio, tu para as Irmãs de Caridade... Já não tinhas cuidados com a Consuelo eu já não andava no meu velocípede... Começávamos a separar-nos. Tu rezavas a todas as horas, eu era acordado à toque de corneta, andava de espingarda ao ombro no colégio.

    Um dia saí bacharel, tu casaras.. Eu fui para a Europa, tu ficaste... Eu estava longe de ti. A princípio escrevias depois, era natural, tinhas uma filha e voltaste os teus cuidados para a pequena... E foi por isso, minha querida Corina, que a tua carta, pequena e meiga, foi como um raio de sol que me entrasse, macio e quente, pela janela.

    Acariciadora cartinha. Lembranças da Lucília e dois beijos, um para ti e outro para a Iris do teu irmão e amigo, Leopoldo – 10 de junho de 1914.


O pai de Leopoldo, com sua austeridade de professor de Direito, cidadão ilustre e membro efetivo da Academia Fluminense de Letras que, aliás, em 28 de Maio de 1952, comemorou o centenário do seu nascimento, procurou fazer de seu filho um bacharel em Direito. Procurou afastar Leopoldo do teatro, não sendo, entretanto, sua oposição a ponto de criar-lhe situações embaraçosas como uma em que teria sido envolvido, quando veio detido, segundo se noticiou, de uma cidade do interior fluminense, por dois oficiais de Justiça e por ordem expressa do Pai.

Dona Corina faz empenho em desfazer essa versão. Diz que, embora não fosse agradável ao velho professor a tendência do filho pelo palco, nunca levou a sua oposição a tal ponto. Quando Leopoldo quis ir para Londres após formado em direito, o pai atendeu de bom grado ao seu desejo, pensando que, mudando de ambiente, ele se esqueceria da ribalta, mas, o jovem bacharel, na velha Europa não saía dos teatros.

De uma feita o pai recebeu este telegrama enviado de Londres: "Professor Luiz Carlos, Niterói. Fome. Leopoldo". O pai respondeu-lhe também por telegrama: "Leopoldo Fróes. Londres. Quem passa fome não tem dinheiro para passar telegramas. Teu pai". Mas... depois mandou o dinheiro. E o final da ida de Leopoldo a Londres para se afastar do teatro resultou na sua volta ao Brasil, como ator de uma Cia. Portuguesa de teatro que veio em excursão à nossa pátria.

Fotos de Joaquim Simões e Arquivos da família Fróes da Cruz
Pesquisa e edição de Alexandre Porto

Série Reminiscências de Fróes

Reminiscências de Fróes: Uma homenagem a Leopoldo
Reminiscências de Fróes: Sob o signo de um Astro Vagabundo
Reminiscências de Fróes: Ele superou João Caetano
Reminiscências de Fróes: Mulheres e amores de sua vida
Reminiscências de Fróes: A morte do grande artista



Publicado em 08/12/2021









Dmitri (1905-1989)
Reminiscências de Fróes: Uma homenagem ao nosso maior ator
Leopoldo Fróes (1882-1932)


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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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