Alexandre Porto
EREÇÃO DE UMA HERMA A JOSÉ CLEMENTE



11 de agosto de 1919

Por proposta do conhecido homem de letras e apreciado poeta Ricardo Barbosa, como se verá do artigo, a propósito, publicado nesta folha e abaixo ora reproduzido, dirigido aos membros da Comissão Central dos Festejos do 1º Centenário da elevação de Nictheroy à categoria de Villa Real da Praia Grande, aceitou a mesma Comissão a feliz ideia sugerida e encomendou o referido trabalho de arte de que trata a aludida proposta ao ilustre escultor niteroiense Antonio Pitanga, 1º prêmio da Escola de Belas Artes.

Devido, porém, à escassez de tempo, foi transferida a cerimônia da ereção desse modesto monumento à memoria de quem tanto fez por esta terra e pela própria nacionalidade brasileira, para o dia 7 de Setembro, data da independência política do nosso país, ato para o qual muito concorreu o grande estadista.

A ideia do plano proposta pelo nosso digno colaborador Ricardo Barbosa foi alterada pela Comissão Central, ainda por falta de tempo necessário à sua construção completa, de modo que, ao invés de ser colocada a herma no ponto sugerido, sel-o-á em frente ao edifício da Prefeitura, onde foi lançada ontem a sua pedra fundamental.

No tabuleiro, que defronta o escolhido para colocação do monumento está destinado a receber também um monumento, sem dúvida mais aparatoso, com o busto de Pedro I, por ocasião do I Centenário da Independência do Brasil, em 1922.

A mudança do local em nada altera ou prejudica a ideia proposta, pois, como se sabe, a hoje Praça Floriano Peixoto foi teatro de vários acontecimentos naquela época e serviu também de grande ponto comercial da antiga Villa Real da Praia Grande.

Eis os termos da proposta, acima referida:

"Srs. Permite que fundamente a proposta que ora tenho a honra de submeter ao vosso esclarecido juízo e douto julgamento. Não desconheceis certamente que tudo que existiu de melhoramentos, a começar pelo admirável traçado de Niterói, a par de seu aformoseamento e obras de saneamento, ao tempo que pontificava, como sacerdus magnus na sua curul de Juiz de Fora da Villa da Praia Grande o eminente estadista José Clemente Pereira, surgiu ao influxo mágico e genial de sua incomparável atividade e saber.

Nesse tempo, todo o movimento comercial e de transportes, por mar e por terra, convergia para o ponto escolhido então para sede da vila, e que era a rua do Conceição, compreendidas as hoje praças Floriano Peixoto e General Gomes Carneiro, então Campo de Dona Helena, e rua de São José, então da Cadeia, por onde desciam os tropeiros e mercadores de toda a espécie, vindos de Pendotiba, Icaraí, Jurujuba, São Lourenço, etc., inclusive o movimento operado com as mercadorias adquiridas na praça da Corte e transportadas em faluas e com os produtos de pequena lavoura daqui para ali enviados, para o que existia na embocadura da mesma rua, um molhe de pedras para embarque e desembarque.

Na hoje Praça Floriano Peixoto havia naquela época, além da cadeia, um mercado ou feira dos aludidos produtores agrícolas, bem como uma tábua de peixe.

Do Sítio da Praia Grande era sem duvida a rua da Conceição o ponto mais importante, sendo que o maior número de casas demorava nas proximidades da Capela.

D. João VI, na sua vilegiatura em São Domingos, para onde fora transferida provisoriamente a Corte, em 1816, segundo uns para espairecer os pesares pela morte de sua progenitora, D. Maria I, segundo outros, por exigência de sua esposa D. Carlota Joaquina, cujo gênio irrequieto não se acomodava à residência prolongada no mesmo local, entendeu agradecer ao fidalgo acolhimento que ali lhe dispensaram, aproveitando a data do seu aniversario natalino em 13 de Maio, e elevando a Vila o Sítio da Praia Grande, com sede em São Domingos. Mas, com a nomeação, em 5 de Julho do mesmo ano e posse a 11 de Agosto, de Jose Clemente, seu primeiro Juiz de Fora, aquele porto foi abandonado pelo fato de ser sujeito constantemente aos alagamentos pelas altas marés e por nele existirem muitos pântanos e brejões.

Foi na Capela da Conceição que, em 1816, o mesmo imperante, na sua primeira visita a Nictheroy, assistiu, com sua corte, ao Te-Deum ali mandado celebrar por esse festivo e honroso acontecimento. Foi ainda para a mesma Capela que foi transferida provisoriamente a imagem do padroeiro da terra, São João Batista, trazida da igreja de Icaraí. Foi ainda ali que a Câmara, reunida, assistiu ao Te-Deum celebrado em louvor do ato régio que criou a Villa da Praia Grande.

Foi também no prédio do morro da Conceição, onde habitava o ouvidor geral, Dr. Joaquim José de Queiroz, que se realizou, com a presença de toda a Câmara, a sessão de instalação da Vila. Nesse mesmo ano de 1819 foi começado o aterro da rua da Conceição e ainda no morro do mesmo nome, em 1826, foi mandado abrir um grande poço d'água para abastecimento dos habitantes mais próximos.

Marcaram época na Praia Grande, e já muito depois desse distante período de nossa vida de colônia, as grandes festividades ali celebradas.

Por demais vinculada aos primórdios da villa, a rua da Conceição, como tal, digna de figurar nos atos da comemoração do 1º centenário desta, circunstância essa que me sugeria a ideia de conjugar estes dois fatos, isto é, a memória do quanto fez por Nictheroy o primeiro Juiz de Fora e o papel imponente que representou nesses acontecimentos a rua da Conceição, e assim propor que, no largo, em frente à capela, seja construído em pequeno jardim e no respectivo centro ereta a herma do grande estadista, passando o largo, assim ajardinado, a ter a denominação de Praça José Clemente, sendo desde já condenado o beco que demora numa das suas extremidades.

Vem a propósito esse melhoramento, principalmente tendo em vista que junto àquele mesmo largo estão funcionando repartições públicas das mais importantes e outras em construção, de modo a aproveitar ele ao passado e ao presente e, quiçá, ao futuro, com a aos pósteros do nosso modesto movimento de venerável gratidão a quem tanto fez por esta terra e pelo Brasil.

Intimamente compreendereis que não basta o nome de um grande benemérito da pátria na placa de uma rua. Essa homenagem pública está sendo a miúdo liberalizada por meros e insignificantes serviços políticos e por simpatias de ocasião. José Clemente exige da nossa parte um ato de verdadeira reverencia.

Não convém esquecer, para mais realce dar à comemoração do fato histórico que com tamanho brilho, envolve o seu nome, que José Clemente foi um dos vultos que mais se salientaram no movimento da independência política do Brasil, sendo um dos chefes de incontestável valor do Partido Liberal com ideais acentuadamente republicanas, ao lado de Joaquim Gonçalves Ledo, Januário Barbosa, General Luiz Pereira da Nóbrega e outras.

Foi considerável o seu esforço, como Juiz de Fora da Corte, conjugado à potência jornalística de Gonçalves Ledo e Frei Sampaio no intuito de amortecer os ímpetos ditatoriais dos Andradas, que lhe valeu, como a Ledo e a Nóbrega, o ser deportado para a França, onde curtia as amarguras de um exílio que o afastara de uma terra, onde deixou vinculado o seu nome como o de um verdadeiro patriota, embora tivesse nascido na Metrópole.

Gonçalves Ledo, depois de se esconder algum tempo em São Gonçalo, conseguiu fugir para Buenos Aires, mas José Clemente e Nóbrega, por vingança política de José Bonifácio, tiveram de submeter-se à pena cruel.

A nossa dívida de gratidão sobe de ponto, em plena república, ao se saber que José Clemente, que tanto trabalhou para a sufocação do movimento insurrecional das tropas portuguesas do General Avilez contra os ideais de liberdade da terra a que consagrara todo seu amor e saber de estadista fora deportado como demagogo, como republicano!

Juiz de Fora, mais tarde deputado provincial e geral, senador do Império, provedor da Santa Casa de Misericórdia, nunca cedeu aos desejos régios de atar o seu nome uma ideia de nobreza, acompanhando-o até à cova esse inalterável pensamento democrático.

Só depois de sua morte, em 1854 e que sua ilustre e veneranda esposa pode receber o título de Condessa da Piedade.

Penso que a estátua, que em 1857 mandou o segundo monarca do Brasil erigir em um dos salões do Hospício Pedro II, construída a esforços do grande homem de Estado, deve corresponder, em Nictheroy, à ereção da modesta herma, cuja ideia tenho a honra de vos propor.

Nictheroy, 24 de maio de 1919 - Ricardo Barbosa".

O Monumento

Conforme estava deliberado, realizou-se ontem, no jardim da Prefeitura, o assentamento da pedra fundamental do monumento a ser erigido em homenagem ao primeiro Juiz de Fora da Villa Real da Praia Grande, o benemérito estadista José Clemente Pereira.

O ato revestiu-se da maior solenidade, achando-se presentes as altas autoridades do Estado e outras pessoas.



Publicado em 29/04/2022









Notícia histórica da cidade de Nictheroy em 1922
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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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