Alexandre Porto
DMITRI (1905-1989)



"Ele é a mais perfeita encarnação da dança, o segredo da vida", publicou o jornal New York Herald Tribune, em 1927, resumindo, em poucas palavras, a arte do bailarino americano Basil Easten, mais conhecido como Dmitri, que, mesmo enfrentando os preconceitos da época, fez da dança "a razão de viver". Basil Easten é o que constava no seu passaporte, mas como em Nova York todos tinham um nome que não fosse de batismo, criou Dmitri, e com ele, conquistou o mundo.

A dança nasceu com Dmitri, que saiu de São Francisco, Califórnia, onde nasceu em 31 de maio de 1905, para mostrar seu trabalho como bailarino em diversos países da Europa e da América Latina. A partir dos anos 1950, passou a se dedicar ao ensino de sua arte no Brasil, e, em especial em Niterói, onde lecionou por mais de 30 anos.

Dançando pelo Mundo

Dmitri começou a estudar balé aos 16 anos, iniciando sua carreira profissional dois anos depois, no Century Opera House, em Nova York, onde dançou até 1934. Na época, não existiam nos EUA as companhias de balé, já que os corpos de baile eram parte do elenco das Óperas. As grandes Companhias só existiam na Europa. Em 1928, dançou com Michel Fokine, um grande professor, contemporâneo de Nijinski, e esse trabalho se constituiu em sua primeira e única experiência numa Companhia de Dança.

Sua carreira foi basicamente de bailarino solista, pois fazia um programa sozinho, com dança e coreografia próprias. Foi assim que, depois de se dedicar a concertos no Town Hall e Carnegie Hall, em Nova Iorque, se deslocou para o mundo, chegando primeiramente à Venezuela, em 1935.

Naquele país fez um programa especial para o então presidente Juan Vicent Gomes e sua família. Um ano depois, embarcou para Berlim, Alemanha, para trabalhar no Volksbunha - Teatro do Povo -, onde teve a oportunidade de conhecer o inventor do Labanotation (técnica da 'notação de movimento'), Rudolf Laban (1879-1958), com quem aprendeu a técnica. Trata-se de uma partitura, como a música, na qual pode-se escrever a coreografia, e tem a vantagem de se poder montar o espetáculo exatamente como o anterior.

De Berlim, Dmitri seguiu para a Espanha, em 1937, convidado pelo Maestro José Padilha, para coreografar uma comédia musical, o que não chegou a acontecer, pois acabava de estourar Guerra Civil espanhola. Esse impedimento levou-o a se mudar para a França, onde estudou na Ópera de Paris com o professor Leo Staats, aprendendo novas técnicas para aplicar em seu trabalho de coreógrafo e bailarino.

Entre aulas de balé e apresentações, Dmitri ficou em Paris até 1939, mas com o início da Segunda Guerra, migrou definitivamente para a América do Sul. Foi convidado a dirigir o Corpo de Baile do Teatro de Colón, em Bogotá, Colômbia, um trabalho que tomou dois anos de sua vida. De lá foi para o Equador, lecionar no Conservatório de Quito.

Ainda no Equador, ganhou do governo uma bolsa para estudar a dança indígena, a dança primitiva feita pelos índios do país. Uma das danças que ficou gravada em sua memória foi a da 'Fertilidade'. Índias de cócoras, imitavam sapos, e dançavam nessa posição, que representava a fertilidade.

Dois anos mais tarde, essa vivência foi utilizada no Peru, quando Dmitri criou as três danças "Hino ao Sol", "El Condor Pasa" e "Yaravi" (que significa o lamento do índio), que foram apresentadas no Teatro de Sucre.

Dmitri foi para a Bolívia em 1949 dançar no Teatro Municipal, em La Paz. Nos quatro anos em que viveu nesse país, montou vários espetáculo, entre eles o indígena "Amtaña" (Recordação). "O vestuário - contou ele - era uma estilização teatral dos modelos de Nazca, Paracas, Chimu e Inca, indígenas do Império Inca".

Já no Brasil, em 1952 foi contratado para dirigir o Conjunto Coreográfico Brasileiro da União das Operárias de Jesus, em Botafogo, uma entidade beneficente, que criava crianças órfãs. As que tinham aptidão eram selecionadas para formar o grupo de balé. Foi nessa época que introduziu o Labanotation no país. Em 1955 ministrava a técnica no Conservatório de Copacabana.

Exigente consigo mesmo e com seus alunos, Dmitri, que chegou ao Rio em pleno Carnaval, ao som de "Lata d'água na cabeça" e "Sassaricando", sentiu que havia chegado a hora de parar: "Comecei a dançar aos 16 anos e em toda a minha vida quis fazer tudo correto. Em 1953, com uma certa idade, vi que não dançaria mais em alto nível, e para não fazê-lo bem, preferi parar".

Ao mesmo tempo em que o Brasil ganhava um dos melhores professores de dança, o mundo perdia, talvez, um de seus melhores dançarinos, como se pode perceber nas reportagens a seu respeito, dos inúmeros países por que passou, feitas durante toda a sua carreira e que ele arquivou com carinho e orgulho em um portfólio. Junto a elas podem-se encontrar telegramas de chefes de Estado, e embaixadores, elogiando seu trabalho e, ainda, muitos convites para se apresentar em diferentes lugares.

No Rio de Janeiro, passou pelo Teatro Municipal (1956), coreografando "A Morte do Cisne", uma remontagem do original de Fokine; Conservatório Brasileiro de Música, lecionando balé clássico; Escola Nacional de Música, coreografando a Opera "Le Villi" de Giacomo Puccini.

Espetáculos em Niterói

Dmitri foi certamente o primeiro coreógrafo a montar grandes bailados em Niterói. Em 1963, fundou a Escola de Ballet Dmitri (EBD), por dois anos no Clube Pioneiros, em Santa Rosa, e, a partir de 1965, na rua Presidente Backer, em Icaraí. Já nos anos 1970, seu nome desaparecia da fachada para dar lugar à marca 'Soarte', pois além de aulas de dança clássica, passou a ser ministrado aulas de dança moderna, jazz, além de pintura, desenho, violão e escultura.

Desde que fundou sua escola, procurou criar, com os alunos que formava, diversos espetáculos, entre eles, 'Giselle', de Theophile Guatier (sec. XVIII), que foi apresentado em 1966 no Teatro Municipal João Caetano (TMJC); "Sylvia", de Delibes (sec. XIX), uma remontagem em cima da coreografia original; e "A Morte do Cisne", de Folking, montada em 1967.

Em homenagem aos 397 anos de Niterói, em 1970, levou à cena no TMJC, Itapuca, espetáculo em três atos, com música de Villa-Lobos, baseado numa lenda de Alvarus de Oliveira. No palco, foi reproduzida a Pedra de Itapuca, que segundo a lenda, está com dois amantes encerrados dentro dela. Segundo o artista, foi a primeira vez que a Prefeitura, por meio do Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural (INDC), lhe deu apoio, cedendo o teatro, além de verbas para o cenário e figurino.

Em 1974 montou o solo "Tiradentes", bailado que, em 1980, representou Niterói na Oficina Nacional de Dança Contemporânea, em Salvador. Em 1983, no Teatro da UFF, foi a vez de "Saha, a Gata", inspirado num romance da escritora francesa Collete, com música de Debussy, em dois atos. Em 1986 dirigiu "Dueto de Amor de Pablo Neruda, Solamente Amor" no I Festival de Dança do Teatro Municipal João Caetano.

Deixando um enorme legado pelos países onde representou sua arte e formou bailarinos, Dmitri faleceu em agosto de 1989, aos 84 anos.

Com informações de Iracema Freixinho e Antonieta Ramos, em O Fluminense (1982), além de diversas anotações no 'Correio da Manhã', 'O Jornal' e 'Jornal do Brasil'.



Publicado em 06/09/2021









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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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