Antonio Parreiras, o notável pintor brasileiro que Paris tão bem recebeu e que há menos de mês chegou de Paris, expõe hoje o seu já tão falado quadro: "A Morte de Estácio de Sá", na Associação dos Empregados no Comércio, à Avenida Central.
Esse trabalho vai ser admirado pelo público e analisado pela crítica. Para que o público se interesse pelo lado histórico da tela, pedimos a Antonio Parreiras algumas notas.
"Representa o quadro, que hoje expomos na Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, uma das primeiras páginas da história do Brasil.
Os personagens que figuram neste trabalho, mesmo os mais evidentes, apenas se desenham no fundo esbatido do passado, tão mal e que dificilmente se os pôde distinguir quanto ao seu tipo físico.
Tais são as divergências na sua representação gráfica, que se estabelece confusão, embora em todas elas determinados estejam os caracteres do português do século XV e de metade do século XVI.
Esses caracteres, entretanto, devido à causa que ignoramos, modificam-se notavelmente quer nos traços fisionômicos, quer na estatura, que diminui de quase um terço, como facilmente se verifica comparando as armaduras que tanto abundam em Portugal e Espanha. Deve-se, porém, assinalar que, mesmo assim modificado o tipo ele possui no conjunto uma tal semelhança de traços fisionômicos, que se torna difícil distinguir e classificar esses homens tão arrojados.
Entretanto, de Estácio de Sá, Men de Sá, Anchieta e mais alguns, se encontram documentos onde algo se vê de característico e individual.
Nos mais caprichosos retratos de Estácio de Sá, se encontram sempre os mesmos traços de beleza, os mesmos cabelos sedosos, a mesma barba contornando uma máscara modelada energicamente, fortemente talhada.
Tais foram os documentos que nos serviram para desenhar esta figura do nosso quadro, que se pode considerar como um retrato.
Junto a Estácio, fundador do Rio de Janeiro, só podíamos colocar Anchieta. Fizemo-lo curvado, magro, cadavérico e macilento, pelos longos padecimentos que suportou.
Esponta-lhe a barba, cresce-se-lhe o ruivo cabelo.
Encovam-se-lhe as faces, e a sua extrema magreza mais se evidencia no cair sem pregas da túnica de tecido gasto, sem cor definida.
Assim o vimos atrás de muitos documentos que nos autorizam a considerar como pura fantasia todos esses retratos que temos visto de outro modo representados.
Anchieta era corcunda, pequeno, magro, tinha, porém muita saúde, ao contrario de Nobrega.
Ao lado dele se vêm Pedro Martins Namorado e Christovão de Barros, o conquistador de Sergipe.
Em primeiro plano, Men de Sá, o justiceiro irmão do poeta Sá de Miranda. Representamo-lo aos 63 anos de idade. A sua atitude, magreza e palidez talvez o façam parecer mais velho.
O seu abatimento, porém, não provem da sua idade e sim da enfermidade da qual se achava em convalescença, enfermidade contraída no Espírito Santo.
Principia o grupo da direita, Salvador Corrêa de Sá. Foi ele um homem robusto e de grande energia. Viveu 101 anos e quando se fundou o Rio de Janeiro, tinha 37 anos.
A seu lado está seu irmão de armas, o valente João Prosse, ferido na cabeça. Contrastando com esta figura, se vê o bispo Pedro Antonto Leitão.
Meio oculto por este, Dias Pinto e de joelhos Christovão Monteiro, mais ao fundo, junto ao esteio da cabana, Esteves Peres e Pedro Rodrigues, e por traz de Anchieta, Antonio de Mariz Coutinho.
No fundo, Nobrega e a numerosa tribo de Arariboia. No centro, Arariboia e uma índia. "
Mede o quadro 4 metros de comprimento por 2 metros e 50 de altura. É destinado à Prefeitura do Distrito Federal e foi ele encomendado pelo Dr. Serzedello Corrêa.
Levou o seu autor a executá-lo e a fazer o "croquis", dois anos e meio. O Rio artístico irá todo admirar a bela tela do ardente artista autor de tantos trabalhos dignos de nota.
Publicado originalmente em 'A Gazeta de Notícias', em 3 de agosto de 1911
Pesquisa e Edição de Alexandre Porto
Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links: Facebook
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