Illm. e Exm. Sr. presidente da provincia. - Diz Gabriel Alves Carneiro, que, tendo casado com uma filha de D. Helena Francisca Casimira, familia das mais respeitaveis deste lugar, em 1812; e que havia merecido a subida honra de hospedar a El-Rei o Sr. D. João VI, de gloriosa memoria, então principe regente, quando veio assistir aos exercicios que fizerão as tropas milicianas no campo da propriedade da mesma D. Helena, e junto da sua habitação; trabalhou o supplicante desde então com todas as suas forças para a prosperidade deste lugar; e voltando S.A.R. em 1816 para presenciar no mesmo campo de D. Helena outro exercicio da tropa que veio de Portugal, para ir guarnecer a praça de Montevidéo, mandou S.A.R. levantar uma barraca de campanha, arvorando-se o pavilhão real, e ahà se dignou dar solemne beijamão á sua corte, no dia 13 de maio do dito anno: o supplicante, exultando por um tal acontecimento, tratou de proceder a um recenseamento dos habitantes das freguezias circumvizinhas, de accordo com o ouvidor da comarca que então servia o desembargador Manoel Pedro Gomes; e trabalhou pelos meios competentes para que fosse elevada esta povoação á categoria de villa; ao que annuindo S.A.R., teve lugar a creação em 1819; sendo o supplicante galardoado com o posto de capitão-mór da nova Villa, não só pelos serviços prestados nesta occasião, como tambem pelos que prestara no 1º regimento de milicias da Corte onde servira.
Continuou o supplicante a desvelar-se pelo engrandecimento da viila; já fazendo a doação de dous contos de réis em dinheiro e 4.500 carradas de pedra, e do mais que estava a seu alcance, para a construcção da Casa da Camara e Cadêa, em cujo edificio faz suas sessões actualmente a assembléa provincial; já fazendo edificar predios e outros arranjos para embellezamento da villa (hoje imperial cidade de Nitherohy), tudo em beneficio publico; ja facilitando á camara que naquelle tempo servia, o que estava ao seu alcance, para levar a effeito as obras que propunha fazer por administração sua, ja finalmente, dando de arrendamento as terras em que não edificava a outras pessoas que o fizessem, afim do augmento da villa e das rendas nacionaes.
Um unico pezar porém lhe restava: era o de não poder dispor de parte daquellas terras, para a erecção de um monumento que fizesse recordar os felizes successos que ahi se tinhão passado; por que, sendo o supplicante mero administrador dos bens de sua sogra, a ella pertencião essas terras.
Lembrou-se porém a Camara, que servia em 1829, de mandar arrancar as cercas de varios arrendatarios da sogra do supplicante, a pretexto de formar dous largos, com as denominações de - Pelourinho e Memoria -; procedendo de mero arbitrio, sem formalidades legaes e audiencia de partes, e por isso a sogra do supplicante fez chegar á soberana presença de S.M.I. uma queixa sobre a qual foi ouvida a camara, o procurador da Corôa, e se procedeu a uma vestoria; e comquanto o parcer do procurador da coroa fosse todo em favor da queixosa, comtudo declarou que não era esse o meio competente nos seguintes termos:
"Que bem clara e circumstanciadamente se mostra a justiça com que se queixa a supplicante do procedimento da camara municipal da Villa Real da Praia Grande, e se fosse da competencia do governo a decisão da questão, talvez se podesse ordenar a prompta e cumprida restituição da mesma supplicante á posse de que fora esbulhada; mas sendo ella da attribuição do poder judiciario (segundo entendo), deverá a supplicante recorrer a este pelos meios legaes".
E por isso houve a imperial decisão, mandando que se usasse dos meios judiciaes. Intentou D. Helena uma acção de reivindicação contra a Camara, na qual, apezar das evasivas de que lançou mão a Camara, já allegando que os terrenos reivindicados erão logradouros reservados nas sesmarias, já que erão dos Indios, e ja que erão proprios nacionaes, forão lhe sempre contrarias as sentenças, nas quaes se mandou restituir os terrenos e rendas vencidas, desde a indevida occupação.
Fallecendo D. Helena, e tocando estas terras em partilha á sua filha D. Maria José Bessa, tratou esta de fazer executar as sentenças que obtivera sua mãe: e apezar de atropellada a execução e levada até ao supremo tribunal de justiça, forao sempre as decisões em favor da exequente, como tudo consta dos autos existentes no cartorio das execuções desta cidade.
O supplicante, Exm. Sr., por duas vezes, na pendencia da acção, fez propor amigavel composição para a entrega dos terrenos, sem dispendio da Camara, significando-lhe o quanto era de lastimar que estivesse despendendo as rendas em uma demanda caprichosa da sua parte, quando só devião ser gastos em beneficio publico, mas forão pela camara desprezadas estas propostas.
Hoje, porém, que o supplicante esta legitimamente constituido proprietario das terras reivindicadas, não só por haver passado a segundas nupcias com a herdeira dellas D. Maria José Bessa, mas tambem pelas sentenças obtidas e passadas em julgado, e possuindo sempre os mesmos sentimentos que outr'ora o dominavão de amor e lealdade pelo throno imperial e prosperidade da nação brazileira, vai por intermedio de V. Ex. prostrar-se ante o throno imperial, e offertar gratuitamente as terras em que se acha estabelecido o largo da Memoria, para recordação dos solemnes actos ahi praticados pelos antepassados de S.M.I., sendo as ditas terras addicionadas aos proprios nacionaes, mandando V. Ex. proceder a medição das mesmas.
Quanto ao outro largo denominado - do Pelourinho -, sendo desnecessario para logradouro publico, por se achar apenas a vinte braças de vista do outro, e do qual ja foi empossada a mulher do supplicante, propõe o supplicante, para evitar despezas á camara municipal, que esta lhe conceda as licenças e arruamentos necessarios, para nelle edificar nas linhas marcadas pelas ruas, lado direito da Conceição e esquerdo da Cadêa (atual José Clemente), ou para o uso que ao supplicante convier; e que, como indemnisação das rendas vencidas até hoje, importantes em 7:093$990 rs., dos dous terrenos sobre que pende a execução de sentença, desiste o supplicante da mesma, cedendo-lhe a camara o sitio comprado por 5:000 rs. a Luiz José de Brum, exceptuado o terreno que occupa a casa de correcção e pedreira desta provincia, indemnisação aliàs diminuta e inferior ás rendas e custas a que foi condemnada a camara pelo poder judicial, para o que requer o supplicante a valiosa intervenção de V. Ex., para que, indo este remettido a camara, nomêe a mesma uma commissão autorisada para fazer o contracto mediante as reciprocas cessões, e se darem as necessarias quitações; por isso - P. a V. Ex. se digne attender ao que o supplicante implora, acolhendo e auxiliando os beneficos desejos e vantajosas offertas do supplicante, para se terminarem questões e evitar-se maiores despezas á camara municipal. - E. R. M.
Nitherohy, 8 de novembro de 1845.- Gabriel Alves Carneiro.
Sobre esse tema, cabe lembrar Dr. Angelo Miranda Freitas Filho que em 1910 tenta explicar a causa do litÃgio entre a Câmara e os herdeiros de Dona Helena ("O Paiz").
"A posse do terreno, quer no local hoje chamado da Memória, quer na Praça de Santo Alexandre, ou Capim, na parte que faz frente à rua principal da Conceição" foi tomada sem audiência nem consentimento de Dona Helena Francisca Casemiro, que, despojada da propriedade que "legitimamente deverá possuir", intentoa contra a Câmara uma ação de reivindicação. A primeira Câmara só se limitou a erigir o pelourinho em uma das extremidades do campo; mas as suas sucessoras, tendo concebido um plano da cidade, no qual traçaram duas praças distintas, uma a da Memória e outra a do Pelourinho, foram mais longe na violação da propriedade: mandaram arrancar cercas de grossos moirões, ripas e varas que se achavam em terrenos ocupados por arrendatários e foreiros da mesma senhora. "
Carta de Gabriel publicada originalmente no Jornal do Commercio, em 14 de Novembro de 1845, na seção 'Publicações a pedido'.
Pesquisa e Edição de Alexandre Porto