Alexandre Porto
GABRIEL ALVES CARNEIRO RESPONDE AO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA



Illm. e Exm. Sr. presidente da Provincia. - Diz Gabriel Alves Carneiro que, havendo sido citado a requerimento do Dr. Procurador Fiscal da Administração da Fazenda provincial, para se conciliar sobre a desapropriação do terreno dos largos da Memoria e Pelourinho, soube que para esse fim por esta presidencia se havião expedido as portarias de 30 de outubro e 13 de novembro do corrente anno, respeitando a primeira aos mencionados terrenos, e a segunda a desapropriação de varias moradas de casas, para regularisar a praça de Martim Affonso, e decretanto-se nellas que não houvesse indemnisação dos terrenos, por serem da sesmaria concedida ao dito Martim Affonso e seus descendentes; o supplicante porém submissamente vem apresentar a V. Ex. suas respeitosas considerações, em virtude das quaes espera que serão cassadas e revogadas essas portarias.

Pelo que pertence ás terras do Largo da Memoria, o supplicante ja as offereceu gratuitamente em representação que teve a honra de apresentar a V. Ex. com data de 8 de novembro, e portanto parece superfluo e ocioso qualquer procedimento a tal respeito.

Quanto porém as outras terras e casas, parece ao supplicante que grande injustiça se pratica para com ele: pertencião essas terras a D. Helena Francisca Casimira; e havendo dellas sido espoliada por arbitrariedade da Camara Municipal que servia em 1829 para formar os dous referidos largos, não só a dita proprietaria levou uma queixa ao throno, que, reconhecendo sua razão, a enviou para os meios judiciaes; porém até lançou mão desses mesmos meios, intentando uma acção de reivindicação, na qual a dita Camara buscou quantos subterfugios lhe occorrêrao, não olvidando allegar que taes terrenos erão logradouros reservados nas esmarias que erão dos indios, que erão proprios nacionaes, etc.; todavia a justiça da proprietaria triumphou, decidindo-se que os terrenos erão seus, e condemnando se a usurpadora na restituição delles e dos rendimentos, tudo se verifica pelo documento n.1.

Fallecendo essa D. Helena, succedeu-lhe sua filha D. Maria José Bessa (hoje casada com o supplicante), á qual as terras pertencerão por formal de partilhas, e dellas tomou posse, documento n.2; e quando o supplicante pensava que o seu direito de propriedade, garantido na Constituiçao artigo 179 - 22, descansaria seguro á sombra do caso julgado, e quando apparecem as ditas portarias aniquiladoras desse julgado e desse direito, mas que não podem subsistir.

Sendo as terras do antiquissimo dominio e posse da mulher do supplicante e seus antepassados, estando julgado isso mesmo pelos tribunaes, nao é possivel que V. Ex., sem conhecimento algum de causa, decida que ellas fazem parte da sesmaria concedida ao indio Martim Affonso: onde se prova essa asserção? onde se mostra a mediçao? onde está o reconhecimento dos possuidores? onde provão os indios direito algum, demandando e convencendo ao supplicante e destruindo o caso julgado!

Por consequencia dar como certo um facto improvado, um facto negado, e sobre ele querer firmar a desapropriaçao gratuita, é por certo praticar grande injustiça; e V. Ex, docil á razão, tera até prazer de a reparar.

Demais, suppondo que esse facto negado estava provado; e ainda mais imaginando que a lei provincial de 11 de abril de 1835 podesse ter applicação ao caso vertente, qual seria a razão por que se deveria proceder a desapropriação sem indemnisação do valor des terras? Essa lei no art. 9 determina que a indemnisção não tera lugar nos casos de abertura de estradas ou canaes, se as terras tiverem sido dadas por titulo de sesmarias; mas, se nem se trata de abertura de estradas, nem de canaes, como se quer ampliar a lei a casos que estão fóra das suas hypotheses?

Além disto, lembra o supplicante que outras desapropriações se tem effectuado, intervindo a respectiva indemnisação, sem duvida por não ser possivel ampliar uma lei além dos casos expressos a que ella restringe a sua disposição?

Emfim, Exm. Sr., o supplicante tem a notar que a lei que hoje rege esta questão não é essa lei provincial, mas sim a lei geral de 12 de junho de 1845; e nella se determina que a desaproprição por utilidade publica (em cujos casos comprehende a abertura, e alargamento de ruas e praças) só terá lugar intervindo certas formalidades, depois das quaes o presidente da provincia remetterá tudo com o seu parecer ao governo imperial, a quem compete approvar definitivamente os planos das obras (art. 7°); e depois disso se devem seguir todos os tramites marcados nos artigos seguintes: e por ventura já procedêrão estas formalidades? Já houve a approvação do governo? Nada disso, absolutamente nada: e por consequencia o supplicante se inclina a crer que V. Ex em face desta representação, se apressará á reparar essas injustiças, cassando e revogando as mencionadas portarias: portanto - P. a V. Ex. se digne attender esta supplica, e deferi-la na forma que nella se requer. E. R. M.

N. B. O documento que se accusa é o inserido no Jornal do Commercio de 22 de novembro. Nitherohy, 11 de dezembro de 1845, - Gabriel Alves Carneiro.


Publicado originalmente no Jornal do Commercio, em 18 de dezembro de 1845
Pesquisa e Edição de Alexandre Porto



Publicado em 14/05/2022









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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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