Jurista, professor, jornalista, teatrólogo, escritor e poeta, o niteroiense Lyad Sebastião Guimarães de Almeida foi o grande incentivador e primeiro diretor, em 1967, do Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural (INDC), autarquia municipal que deu origem à atual Fundação de Arte de Niterói (FAN).
Filho do professor Raul Stein de Almeida e da professora Daydra Teresa Guimarães de Almeida - pianista apaixonada por Chopin, nasceu na Rua Mário Viana 718, no bairro do Viradouro, em 22 de janeiro de 1922, e faleceu, na mesma cidade, em 5 de outubro de 2000. Casado com D. Maria Vinhas Guimarães de Almeida deixou dois filhos: Sérgio Vinhas Guimarães de Almeida e Sílvio Guimarães de Almeida.
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Lyad recorda que na infância, diversas vezes viu Noel Rosa passando em sua janela, quando a família se mudou para o bairro carioca de Vila Isabel. Estudou as primeiras letras com sua mãe e fez o ginasial no Colégio Salesianos Santa Rosa, de 1933 a 1937. Cursou o primeiro ano do Curso Complementar de Medicina no Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro (IEERJ, hoje Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho), tendo desistido por falta de vocação. Em 1939, fez os dois anos do Curso Complementar Clássico, ainda no IEERJ, e ingressou, em 1941, na Faculdade de Direito de Niterói, classificando-se entre os primeiros.
Foi funcionário público por concurso, tendo servido na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento do então Distrito Federal, onde secretariava as audiências. Em 1945 passou a advogar na qualidade de solicitador e acabou deixando o funcionalismo. Formando-se em 1946, continuou a exercer a advocacia, trabalhando, ainda, em jornais de Niterói e da Guanabara. Foi juiz titular da 22ª Junta de Conciliação e julgamento no Estado da Guanabara e, como substituto, integrou o tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Em 1968, criou a Faculdade Fluminense de Direito, que funcionou no Colégio Salesianos com alunos excedentes do vestibular da Faculdade de Direito da UFF. Em 1982, foi promovido a Juiz do Superior Tribunal do Trabalho.
Como jornalista, foi membro da ABI e manteve durante sete anos, no Diário Trabalhista, na Guanabara, uma coluna diária intitulada "Seção de Consultas Sobre Direito", especializada em Direito do Trabalho; e, depois em "O Radical" e em "O Estado", em Niterói. Foi redator político de "A Palavra", de Sardo Filho, redator da revista "Atualidade", da "Revista do Trabalho" e colaborou no "Suplemento Literário" do Diário de Notícias (GB).
Escritor e poeta
A escrita, para o poeta Lyad de Almeida, era uma verdadeira paixão e todos os dias, só abandonava os versos lá pelas três da madrugada. O amor pela literatura começou quando ainda era estudante no Salesianos, onde escrevia versos e contos para a Folha Ginasial. "Publico livros porque quero perenizar as coisas que escrevo", disse o autor.
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Como poeta, Lyad escreveu vários livros de "haikais", sendo um dos nomes mais representativos deste gênero de poesia no Brasil. Em nota no "Diário de Notícias", o escritor Pedro Bloch afirmou uma ocasião: "Ninguém faz haikais melhores que Lyad de Almeida. Certamente ele tem um estilo muito próprio de compor os poemas ("tankas e haikais"), em quatro, três e em dois versos, numa acepção mais livre de forma e de conteúdo. Às vezes romântico, noutras aforístico, reflexivo".
O poeta conheceu o Haikai quase por acaso. Em uma entrevista ao jornal O Fluminense, Lyad disse: "Quando tinha 19 anos, frequentava o Café Sul América, que ficava no Centro da cidade. Um dia encontrei um amigo, o Hélio Quaresma de Moura, que queria me apresentar a Luís Antônio Pimentel. Ele havia publicado o livro "Tankas e Haikais", que tinha lido e não gostei. Retruquei que não queria conhecer nenhum fóssil e nem percebi que Pimentel estava bem ao meu lado", recorda rindo se parar. Bastante encabulado, Lyad chegou em casa e resolveu reler o livro do historiador. Se apaixonou pelos pequenos versos e não parou mais. Quanto a Pimentel? Tornaram-se grandes amigos. E foi o próprio Pimentel que afirmou, quando Lyad publicou o seu "Tankas e Haikais", em 1962, que "Os Haikais de Lyad de Almeida são nitidamente brasileiros, sem o mínimo influxo do espírito oriental".
Em 1972, lançou o Manifesto Poesia-Síntese, em favor da economia de palavras na poesia. Para ele, "é imprescindível que a poesia, além de sintética, seja aberta ao entendimento do povo. A poesia precisa ser comunicada com a rapidez que o nosso tempo exige". O manifesto defendia que a poesia deve ser sintética porque ela procura expressar algo imaterial, que não ocupa lugar no espaço. "O volume da forma, pode sufocar a mensagem", escreveu Carlos Nascimento, um dos apoiadores do manifesto.
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Como escritor, Lyad deixou obras como: "Creio!" (poesia, 1945); "Tankas e Haikais" (poesia, 1961); "Trovas" (1962); 37 Poetas Fluminenses (organização e prefácio, 1963); "Novas Tankas e Haikais" (poesia, 1964); "Cem Trovas sobre o Mar" (coletânea de trovas); e "Tankas e Haikais Selecionados" (poesia, 1974); "Haikais" (1981); "Muito pelo contrário" (1981); "Poesia-Síntese: Haikai e outros poemetas" (Cromos, 1988); "Como proteger seu filho da violência sexual" (Cromos, 1988); "Hora de Deus e de Satã" (1992); e "Mais uma vez Haikais" (1996). Ainda em 1996, publicou pelo Selo Niterói Livros, o livro "Lili Leitão o Café Paris e a Vida Boêmia de Niterói & Niterói, poesia e saudade", que inclui uma coletânea de crônicas que Lyad publicou no jornal "O Fluminense", nos anos de 70 e 80.
"Tankas e Haikais Selecionados" foi prefaciado pelo imortal João Cândido de Carvalho, que escreveu: "Lyad é todo assim. E, por ser assim, repleto de bom gosto, é que este seu trabalho é um dos bons momentos de sua vida de lavrador de belezas ... Mas quem tem talento tem e está acabado. E Lyad tem de sobra, de jorrar pelo Ladrão."
O Teatro
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Acervo Carlos Mônaco |
Lyad nunca negou que a arte dos palcos era sem dúvida sua grande paixão. Com 20 anos, em maio de 1942, já subia ao palco do Theatro Municipal de Niterói para interpretar um personagem no espetáculo "Sonho de uma Noite de Primavera", patrocinado pela Casa Fluminense de Estudantes. No ano seguinte, já como dramaturgo, estreava no mesmo palco,"Quem Ama Sabe Esperar", trazendo no elenco o inseparável amigo Carlos Couto. Em 1946, estreava, no mesmo Teatro Municipal, a peça "Olhando para o Céu", estrelado pelo Grupo Cênico João Caetano, que tinha Lyad como Diretor Artístico. Em 1947, o GCJC levou à cena o espetáculo "Aconteceu naquela noite", com Lyad no elenco. Em 1949, sua peça "O Espelho da Rainha de Mangangás", em parceria com Luís Maia, era encenada no carioca Teatro Fênix.
Em 1952, criou a Companhia "Comédia" que estreou no Teatro Municipal apresentando a peça "O Divino Perfume", de Renato Viana. Em seguida encenou "Cândida", de Bernard Shaw, "A Casa de Bonecas", de Ibsen, além de "Esquina Perigosa" e "Teresa Raquin". No elenco da Companhia, passaram atores como Zuleika Basstos, Mirian Morais, Lilian Muriel, Vanda Machado, Waldir Nunes, Maria Conceição e Roberto Machado.
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Acervo Carlos Mônaco |
Para o Teatro, Lyad escreveu ainda diversas obras, como: "Ao Cair da Tarde, alta comédia, Mulher Casada (drama); "Desespero" (drama em parceria com Waldir Nunes); "Jesus da Silva" (drama); "Deus de Matéria Plástica" (tragédia); "O Homem do Suspensório" (comédia) e "Julgamento de Othelo" (adaptação em parceria com Carlos Couto), encenada em 1983 no teatro Alvorada do Rio de Janeiro. Também traduziu e dirigiu "Teresa Raguin", de Emile Zola e "Casa de Boneca", de Ibsen.
Para o gênero infantil, "O Espelho da Rainha de Mangangá, no Reinado de Tic-Tic" e "Gata Borralheira" (adaptação), em parceria com Luís Maia; "Branca de Neve e os Sete Anõezinhos" (adaptação); "Apolônio I, o Astronauta", publicada na Revista da SBAT; "Saci Pererê na Transamazônica"; A Cigarra e a Formiga (adaptação); e Chapeuzinho Vermelho (adaptação).
Cinema
Em 1950, Lyad escreveu o argumento para o longametragem "Dentro da Vida", dirigida por Jonald, e produzida pela nascente produtora niteroiense 'Intercontinental Filmes S.A.', que improvisou seus estúdios no Teatro Municipal João Caetano. O filme foi estrelado por Daisy Lucidi, Paulo Renato, Beatriz Consuelo e Hemílcio Fróes.
Saiba mais
O sonho do Teatro Comédia
Em meados dos anos 1950, Lyad já alimentava o sonho de um novo e moderno teatro em Niterói. Em 1954, chegou a obter, com a Câmara dos Vereadores um terreno na esquina das ruas Mariz e Barros e Geraldo Martins. Um terreno que a prefeitura nem sabia que existia. O projeto que se transformou na lei nº 1972/54, foi sancionado pelo prefeito Lealdino de Alcântara e publicada no Diário Oficial em 19 de dezembro daquele ano. O arquiteto Orlando Green Short, assistente de Oscar Niemeyer, ofereceu o projeto, só faltava lavrar a escritura, mas o prefeito empossado no ano seguinte, Alberto Fortes, negou-se a entregar o terreno, tentando uma manobra de anulação junto aos novos vereadores. Advogado, Lyad impretou mandato de segurança tentando fazer valer a Lei, mas seu sonho foi adiado.
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O proposta despertou nova atenção em 1959, tendo recebido diversas contribuições financeiras e o aceno do recém eleito governador Roberto Silveira. Como parte da campanha de arrecadação pró-construção do teatro, Lyad sugeriu a venda de 300 cadeiras cativas para a pré-estreia e primeiras exibições.
O chamado Teatro-Comédia parecia inevitável. Em nota, o jornal Última Hora destacava o empenho de Lyad; publicando seu anteprojeto, o Jornal O Fluminense imprimiu, em julho de 1959, matéria onde destacava: "Niterói possuirá um belo e moderno Teatro - obra do idealismo de um grupo a cuja frente se encontra Lyad de Almeida - O 'Teatro-Comédia' terá a ajuda do Serviço Nacional de Teatro - O Plano de cadeiras cativas para conseguir uma parte dos recursos - Apoio do prefeito". Mas novamente, o sonho de Lyad foi interrompido.
Gestão Cultural, o INDC e o Teatro Leopoldo Fróes
Integrante da Comissão Artística e Cultural do Teatro Municipal, Lyad foi convidado a presidi-la em 1963. No cargo, ajudou a criar as companhias "Teatro de Gente Grande para Gente Pequena", "Teatro Experimental", "Teatro de Ópera" e "Teatro de Revista". "Niterói sempre foi celeiro de artistas que brilham na imensa constelação artística do país e agora vamos descobrir novos astros, chamando-os à ribalta", afirmava Lyad. Mas meses depois, por divergência com a direção do Teatro, pediu demissão do cargo.
Um de seus grandes incentivadores, Lyad foi o primeiro diretor do Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural, primeira autarquia municipal dedicada exclusivamente às questões culturais da cidade. Criado em 1967, no governo do prefeito Emilio Abunahmano, o INDC nasceu da necessidade de promover as atividades artístico-culturais de Niterói. O Instituto ajudou a promover o levantamento de organizações culturais, tais como grupos cênicos teatrais registrados, a Associação Fluminense de Letras e a Sociedade Brasileira de Fotografia.
Também realizava cursos, conferências, debates, palestras e exposições para estimular as iniciativas de natureza artísticas e culturais do município, especialmente as festividades e encenações relacionados a Niterói, com destaque para a data de sua fundação, em 22 de novembro e para o Dia Municipal da Poesia, que era comemorado em 2 de setembro anualmente.
Em 1971, o Instituto deu início a seu projeto editorial, com o lançamento da antologia poética de Gomes Filho. Dois anos depois reeditou duas obras do historiador José Mattoso Maia Forte (1873-1945), "Tradições de Niterói (original de 1919) e
"Notas para a História de Niterói (original de 1935).
Em abril de 1973, Lyad inaugurou a nova sede do INDC, numa casa da rua Amaral Peixoto, 847. Com problemas estruturais no Teatro Municipal, em outubro do mesmo ano, o INDC arrendou o antigo Teatro Alvorada, na Praça da República, que Lyad rebatizou para Leopoldo Froes. Não podendo realizar o seu sonho do Teatro-Comédia, pelo menos devolveu à cidade um teatro antes abandonado.
O "novo" teatro surgiu por meio de um convênio entre a Mitra Diocesana de Niterói e o INDC e no seu palco muitas companhias teatrais nacionais famosas se apresentaram. Pela facilidade de acesso, o espaço atraia um público variado e também era usado para apresentação de peças infantis, de grupos cênicos amadores além de ter em cartaz, vários recitais. Nas mãos de Lyad, o INDC incrementou o teatro na cidade, sempre incentivando a formação de atores locais. E o Leopoldo Fróes foi o palco escolhido, onde nasceram diversas companhias e onde uma geração de atores deu seus primeiros passos.
Em 1975 Lyad deixou o INDC sendo substituído pela Professora Lecyr Lessa, ex-diretora do Departamento de Difusão Cultural da UFF. Dois anos depois, o instituto foi transformado em uma fundação, a Fundação de Atividades Culturais (FAC).
Láureas
Em 1963, Lyad tomou posse na Academia Fluminense de Letras, ocupando a Cadeira de B. Lopes. No ano seguinte, no Cenáculo Fluminense de História e Letras. Em 1977, ocupou a cadeira de Sebastião Lacerda na Academia Niteroiense de Letras e, em 1990, a de Othon Costa na Academia Carioca de Letras.
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Discurso de posse na Academia Fluminense de Letras |
Foi presidente e fundador da Associação dos Magistrados Trabalhistas da Guanabara e fundador e presidente do Grêmio Brasileiro de Trovadores (seção de Niterói). Foi agraciado com os títulos de Acadêmico Perpétuo, diploma conferido pelo CAEV, da Faculdade de Direito da UFF; Melhor do Ano nas Artes Fluminenses, como poeta, em 1966, diploma conferido pela UBA; e Melhor do Ano nas Artes Fluminenses, como teatrólogo, 1967, diploma conferido pela mesma instituição, com a chancela do governo do Estado e da Prefeitura de Niterói.
Como estudioso das artes, destaca-se as conferências que realizou sobre as obras de Catulo da Paixão Cearense e Leopoldo Fróes, ambas na Academia Fluminense de Letras. Para Lyad, Fróes foi o maior cômico do Brasil.
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Com a conferência, Lyad buscava contestar a ideia de que Fróes não tratava os colegas com consideração, não comparecia aos ensaios e não decorava textos. Antenado com as mudanças na sociedade brasileira, no I Encontro das Academias de Letras do Brasil, realizado em Goiânia, em 1972, Lyad discursou sobre a "Admissão da Mulher nas Academias de Letras".
Se é possível resumir a vida de Lyad de Almeida numa frase, esta seria: "um homem dedicado ao Direito, um abnegado Artista da Palavra, um Gestor obcecado pela inovação".
Alguns de seus tankas e haikais
Finados.
Sacrifício das flores
para embelezar a morte...
Querida,
como tuas joias ficam belas
ornadas por ti!
Oceano imenso.
Livre se julga o veleiro.
E o vento o empurra...
Diante da máquina
hesita a operária. Tece
o pano ou o sonho?
Ah! O tempo! O tempo!
Meu retrato de criança,
Como envelheceu!
Em tua carta, dizias:
“Meu amor é eter...”
A tinta apagou-se...
Favela. A lua
faz das latas dos barracos
finas pratarias.
Diz a bomba
à super bomba de nêutron.
"Enfim! Enfim, sós..."
Reparto meu pão,
E ainda me recriminam:
- "Guardou a manteiga!"
À beira da estrada,
a cruz de madeira, rústica,
reverdece em ramos.
Morreu a velha árvore...
Ressurreição! Dos seus troncos
foram feitos berços...
Em terreno limpo
plantei sementes de amor.
Surgiram as pragas...
"É noite!" "É dia!"
E, assim, pelas campinas,
brincam pirilampos.