Alexandre Porto
UM QUADRO QUE NÃO PODE SAIR DE NITERÓI



Por Emmanuel de Macedo Soares

Em julho de 1892, uma das mais fortes ressacas já assistidas em Niterói arremessou contra a amurada da rua da Praia três barcas da Cantareira. O acontecimento se transformou em prato do dia da curiosidade popular, não se falando de suas consequências até mesmo políticas, pois para a retirada das barcas encalhadas muito teve de lutar a Câmara Municipal, contra a Companhia Cantareira.

    "Com a grande ressaca e ventania de ontem, as barcas "Primeira", "Sexta" e "Paquetá" rebentaram as correntes de amarração e foram lançadas sobre o cais entre as ruas São João e Marechal Deodoro, onde continuam a ser batidas pelo mar. As barcas garraram uma de cada vez e treparam no cais, mesmo em frente ao Palácio da Câmara Estadual"... (O Fluminense, 14 de julho de 1892)


O pintor niteroiense Pinto Bandeira, que então amargava sua pobreza na terra natal, desprezado e incompreendido, fazendo estandartes de clubes carnavalescos para sobreviver, teve a ideia de fixar na tela o entrechoque das barcas, em todo o seu ineditismo. E daí resultou aquele que muita gente considera o mais niteroiense de seus quadros: "A Ressaca". O trabalho, magnífico como todos os outros deste pintor feiticeiro, ficou exposto durante longos meses numa loja de vidros e molduras da Rua Marechal Deodoro, cujo proprietário, por sinal, iria morrer justamente num desastre de barcas - o incêndio da "Terceira", em 1895.

O poeta Guilherme Martins (Guil-Mar), que então assinava com o pseudónimo de Fritz uns sonetos humorísticos na primeira página de O Fluminense, saudou o aparecimento do quadro com a magia de seus 14 versos. Mas apesar disso, a tela não encontrou comprador ou o artista não a quis vender. Em 1896, Pinto Bandeira morria, aos 33 anos, lançando-se às águas da Guanabara num gesto de fome e desespero.

O quadro ficou desde aí com suas irmãs, herdeiras de sua pobreza e guardiãs de sua glória.

Muitos anos depois, quando se inaugurou o Museu Antônio Parreiras, "A Ressaca" e mais 7 telas de Pinto Bandeira foram para ele transferidas, para participar de uma retrospectiva da pintura brasileira ali realizada. Por essa época, no desejo de amenizar a situação financeira da família do pintor, e ao mesmo tempo de conservar aquele seu trabalho, um niteroiense ilustre e sensível por todos os títulos desejou adquirir o quadro. Era diretor do Museu Antônio Parreiras o caricaturista Jefferson d'Avila Júnior, que não permitiu a compra, desejando incorporar a obra à casa de Parreiras.

Jefferson, infelizmente, não moveu uma palha nesse sentido. Foi mantendo no museu a tela famosa, na esperança de incorporá-la por força de um dispositivo aleijado dos estatutos do Museu, que considera de sua propriedade as obras ali depositadas. As irmãs de Pinto Bandeira foram morrendo na mesma pobreza, e o quadro terminou abandonado à umidade e ao apodrecimento, nos porões do Museu. Recentemente, sendo diretor do Museu Parreiras o critico de arte Carlos Roberto Maciel Levy, fez-se pela primeira vez em quase quarenta anos o levantamento do acervo e do patrimônio daquela Casa. Descobriu então quadro de Pinto Bandeira, e, com ele, a documentação que legalizava a posse da família do artista. Assim foi o quadro devolvido a seus últimos herdeiros.

Há quatro meses o quadro reapareceu, magnificamente recuperado pelo talento de Claudio Teixeira, em tudo sucessor da grandiosidade do pai, o professor Oswaldo Teixeira. Estava à venda na galeria de Maurício Pontual, pela quantia de 100 mil cruzeiros. Coube ao colecionador Cláudio Ferreira, admirador e estudioso da obra de Pinto Bandeira, chamar a minha atenção para esse reaparecimento. Desde então todos nos empenhamos, o próprio Mauricio Pontual conosco, para que "A Ressaca" não saísse de Niterói, pelo significado inédito que tem para a tradição cultural e artística de nossa terra.

Hoje o quadro está sendo disputado a unhas e dentes por famoso colecionador de São Paulo. Sua venda para aquele Estado representará uma perda - mais uma perda - inestimável para Niterói, que jamais conseguirá nova oportunidade para recuperá-lo.

Por tudo isso, lanço daqui, em nome da cidade, um apelo patético ao Sr. Prefeito Moreira Franco, aos Clubes de Serviço, às entidades de classe, aos particulares e a todos que amam Niterói: não deixem que se vá para São Paulo ou para qualquer lugar esse quadro de Pinto Bandeira, um dos muito poucos que ainda temos ocasião de encontrar no mercado. A cidade conta hoje com dois excelentes museus, o Histórico do Estado do Rio e o Antônio Parreiras, ambos em condições de receber e resguardar essa peça valiosa. A própria Prefeitura Municipal tem seu patrimônio artístico e poderá resguardá-lo, resguardando com ele, para as gerações futuras, a memória daquele que foi o maior - a despeito de Parreiras - o mais sofrido e o mais injustiçado dos pintores niteroienses.

Leia também: Quem é Pinto Bandeira?

O Fluminense, 25 de março de 1978
Pesquisa e Edição Alexandre Porto



Publicado em 05/04/2022









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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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