Alexandre Porto
REMINISCÊNCIAS DE FRÓES: UMA HOMENAGEM AO NOSSO MAIOR ATOR



Artigo de Sindulfo Santiago
Revista Guanabara Fluminense, setembro de 1955

Todos os anos, no mês de Agosto, modesta, mas expressiva comitiva da Casa dos Artistas atravessa a Baía de Guanabara e vem a Niterói, ao Cemitério do Maruí, visitar o túmulo de Leopoldo Fróes. Quem foi Leopoldo Fróes? Foi incontestavelmente o maior ator brasileiro de todos os tempos e um grande patrício. Em vida eletrizou plateias, elevou e dignificou a arte brasileira no país e no exterior; fora do palco foi um homem sadio, com uma grande noção do cumprimento dos seus deveres de cidadão e um dedicado amigo de seus colegas quando as luzes da ribalta se apagavam e vinham o ostracismo e os desajustamentos morais e econômicos.

Quando Fróes estava em pleno apogeu de sua glória, foi procurado certo dia por um velho artista que tivera no passado um nome famoso e recebera a consagração de multidões entusiastas. O homem lhe pedia um auxílio, a idade avançada e a saúde abalada impediam-lhe de trabalhar e as recordações do seu passado cheio de glórias perturbavam-lhe o espírito. Ao fim de tudo restava-lhe apenas a miséria, nem ao menos um cantinho quieto para terminar seus dias tranquilos.


Do berço, nesta casa na rua Saldanha Marinho, ao túmulo, uma vida toda de glória.


Fróes condoeu-se da situação do colega. Sua irmã e grande amiga Corina o ouviu dizer: "Incrível que este homem que foi um grande ator termine seus dias com tanta amargura. Quem sabe se o meu futuro não será o mesmo? Os artistas precisam ter um lugar tranquilo que lhes sirva de abrigo e onde possam recordar suas glórias em paz com Deus e com a humanidade. Deve haver um jeito para isto". Após prestar assistência ao velho ator, surgiu-lhe a ideia de fundar a "Casa dos Artistas".

Foi esta a grande preocupação de sua vida. A fama, os louros da glória, o seu prestígio de celebridade nacional, tudo foi colocado a serviço dessa ideia que tomou conta do seu espírito e do seu coração. Chegou a vender máquinas de escrever destinando à da Casa dos Artistas. Num festival em benefício do famoso Circo Sarrasani, Fróes trabalhou como palhaço, sendo, aliás, a grande atração do espetáculo. Dessa forma, tornou em realidade seu sonho e hoje a Casa dos Artistas está aí, abrigando as celebridades que nos palcos fizeram rir ou chorar o povo brasileiro, emocionando e educando populações, num trabalho abnegado e nobre, pois a arte é uma fonte inesgotável de cultura das massas.

Leopoldo Fróes está esquecido de muitos, menos dos artistas brasileiros que expressivamente, todos os anos, no aniversário da Casa dos Artistas, vêm modestamente ao Cemitério do Maruí prestar uma homenagem de gratidão e saudade ao seu imortal fundador e benfeitor. Essa visita, a emoção que me causou à sua sepultura e a lembrança que guardo da sua figura no palco do antigo Teatro Trianon, são recordações de minha própria mocidade em promiscuidade com a filosofia da minha vida presente onde os desenganos e os momentos felizes se acumulam e se confundem. Recordo Leopoldo Fróes cantando essa melodia que ele mesmo compôs:

Mimosa,
Tão delicada e melindrosa,
Mimosa, Mimosa....
Mimosa,
Deus que te fez assim formosa
Deu-te o perfume de uma rosa.
Mimosa, Mimosa.


A "Mimosa" que Leopoldo Fróes tocava ao piano em ritmos de samba, de valsa, de fox, de marcha e de mazurca, para sua sobrinha Iris ouvir, entremeada de comentários chistosos em vários momentos alegres da sua vida doméstica, levou-o ao cemitério executada em compasso de marcha fúnebre pela banda de música da Polícia Militar, numa homenagem póstuma àquele que a compôs.

Falei à beira da sepultura de Leopoldo Fróes, por designação dos meus companheiros de Imprensa, no dia 23 de Agosto último. Estavam presentes a Senhora Estellita Bell, presidente em exercício da Casa dos Artistas e seus companheiros naquela instituição, o sr. Alberto Paraíso e o ator Peri Borges. Ali também se encontravam a sua veneranda irmã, Senhora Corina Fróes da Cruz, uma atriz dramática que brilhou em palcos brasileiros, o seu irmão Celso Fróes da Cruz, sua sobrinha, Senhora Iris Fróes, que também foi atriz, sua sobrinha-neta Senhora Gioconda Fróes, atriz amadora, e a filhinha desta, a menina Thais, que já trabalhou em várias peças teatrais fazendo papéis infantis. Estavam ainda ali, ao pé do túmulo, o teatrólogo Lyad de Almeida, o jornalista Dalton F. Pinto, Romão Botelho, que na véspera comemora o seu jubileu de ouro nos palcos de Niterói, o cronista Carlos Pereira, Álvaro Caetano, o cronista A. Lucio, Joaquim Simões e outras pessoas.

Leopoldo Fróes interpretando o "Simpático Jeremias"
Todos emocionados compungidos, a me transmitir emoções. Que poderia eu dizer de Leopoldo Fróes ali naquele ambiente de saudade e de recordações? Apenas falar das minhas lembranças de um artista que ouvi numa época remota e que nunca esqueci. Ali naquele local em que ele jazia morto eu lembrei a sua vida, a sua arte, e prometi que escreveria sobre a sua vida, rememorando-a, pesquisando-a, num pleito de homenagem a quem fez do teatro culto e religião.

Lembrei também a ingratidão da cidade de Niterói para com seu filho dileto. Leopoldo Fróes nasceu aqui, num velho casarão que ainda existe, à rua S. Francisco n. 2, hoje rua Saldanha Marinho. Fróes morreu na Suíça e seu corpo veio para Niterói, terra onde ele iniciou seus primeiros passos na arte, terra que ele nunca esqueceu, mesmo nos momentos em que, longe da pátria, delirava nas fases agudas da doença que o vitimou. O seu enterro em nossa Niterói foi uma apoteose fúnebre; uma multidão conduziu a pé o esquife, da Catedral de São João ao Cemitério do Maruí.

O Prefeito da cidade, interpretando sentimento do povo, ofereceu àquele que fora um ídolo popular a sua sepultura. E foi só. É muito pouco para quem tanto elevou a arte brasileira no país e no estrangeiro; para quem foi a maior figura dos palcos nacionais; para quem foi um padrão de honestidade profissional e de solidariedade para com sua classe; para quem se deu inteiramente ao povo, fazendo-o vibrar de emoções, exaltando-lhe os sentimentos mais nobres e puros. O município de São Gonçalo colocou o seu nome em uma rua; a capital de São Paulo inaugurou um teatro com o seu nome; o Distrito Federal colocou seu busto em praça pública, no antigo Passeio Público, sendo depois de removido para o Teatro João Caetano em virtude das remodelações que ali se fizeram; outros Estados lhe prestaram homenagens semelhantes.

E Niterói, a terra que lhe serviu de berço e de sepultura, que homenagem lhe prestou? Apenas uma modesta placa de bronze no Teatro Municipal, iniciativa da Academia Fluminense de Letras. Nenhuma homenagem pública, nem uma rua modesta, nada, Niterói esqueceu àquele dia em que Leopoldo Fróes representou seu maior drama ao som da "Mimosa" executada em ritmo de marcha fúnebre, protagonista inerte de um espetáculo de luto e de dor, conduzido por uma multidão incalculável, numa marcha lenta no grande percurso que separa a Catedral de São João Batista do Cemitério do Maruí.

E eu terminei a minha oração, ao pé da sepultura de Leopoldo Fróes intelectualmente pobre, mas cheia de emoção e sinceridade...


Dona Corina Fróes da Cruz faz entrega ao jornalista Sindulfo Santiago de todo os seus arquivos, inclusive das belas cartas que Fróes lhe escreveu.


Disse o que veio à minha imaginação sob o jugo de meu coração dominado pela emotividade. Apelei para que, nos reuníssemos em torno da ideia de promovermos um movimento popular para darmos ao imortal ator um monumento e um logradouro público com o seu nome. Emocionados, todos aceitaram a ideia.

Depois, discursaram Dona Corina em nome da família, o Sr. Álvaro Caetano e o ator Pery Borges em nome da Casa dos Artistas, que iniciou sua oração com estas comovedoras palavras: "Mestre! Aqui estamos! Vimos dizer-te que o lar que sonhaste para os teus irmãos, continua de pé; que o templo que iluminaste com o teu talento, e onde pregaste o teu evangelho de arte, continua erguido!"

E AQUI TERMINA..

Aqui termina a reportagem á beira da sepultura de Leopoldo Fróes e começo a falar sobre a sua vida. Não vou escrever a biografia do grande ator, mas uma série de reportagens sobre fatos da sua vida. Contarei casos que muitos conhecem e outros completamente inéditos, graças á cooperação da Sra. Corina Fróis da Cruz, veneranda irmã do inesquecível ator, que colocou á minha disposição todo o seu precioso arquivo, inclusive cartas íntimas que Fróes lhe escreveu e onde aparece o seu temperamento sentimental.

No dia que Fróes nasceu, apareceu durante madrugada um cometa passeando pelos céus. Ele nunca esqueceu este fato ligando-o pitorescamente a certas facetas do seu temperamento. Disse em certa ocasião: "Eu nasci sob o signo de um astro vagabundo...".

Fotos de Joaquim Simões e Arquivos da família Fróes da Cruz
Pesquisa e edição de Alexandre Porto

Série Reminiscências de Fróes

Reminiscências de Fróes: Uma homenagem a Leopoldo
Reminiscências de Fróes: Sob o signo de um Astro Vagabundo
Reminiscências de Fróes: Ele superou João Caetano
Reminiscências de Fróes: Mulheres e amores de sua vida
Reminiscências de Fróes: A morte do grande artista



Publicado em 07/12/2021









Notícia histórica da cidade de Nictheroy em 1922
Nictheroy - Teatros e Clubes
Nictheroy: Ponta da Armação


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Com formação em Engenharia Florestal, eu, Alexandre Porto, já fui produtor orgânico de alimentos e apicultor, mas hoje ganho a vida como escriba (Enciclopaedia Britannica do Brasil, Fundação de Arte de Niterói). Há 20 anos me dedico a pesquisar a História de Niterói, minha cidade natal, do Vasco, meu incompreendido time de futebol, e da Música Popular Brasileira, minha cachaça. Por 15 anos mantive uma pioneira rádio online no Brasil, a "Radinha". Pra quem quiser me encontrar nas redes, seguem os links:
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